Foto de Glênio Campregher
Sim, eu realmente acreditava que eu manteria esse blog atualizado durante toda a produção do filme, apesar de todas as apostas em contrário. E não era uma coisa que seria realmente uma dificuldade para mim, já que o ato de escrever é um processo prazeroso, tipo pendurar roupas no varal, onde se sacode as roupas, cheira, estica, pendura e confere se ficou alguma sujeira para trás. Ou seja, puro catarse.
Mas na prática a coisa realmente nunca funciona assim. E é irritante porque toda aquela energia que só o momento trás, e que poderia estar sendo registrada diariamente em palavras e sentimentos, acaba se perdendo no evaporar do tempo. E a manutenção de diários é, na verdade, uma aventura meio que penosa, já que demanda tempo - o que não sobrava nenhum - e uma certa disciplina, que estava toda voltada para essa produção maratonal.
E foi exatamente isso que rolou, uma maratona. Não só porque foi filmado em tempo recorde, exatos 14 dias, mas também porque tinha uma equipe de verdadeiros "atletas" por trás, grandes artistas, super profissionais que produziram esse filme com o cuidado e com o esmero de quem escala uma montanha, sabendo que não tinha espaço para erros.
Junte a essa equipe fodástica um elenco especial, com atores loucos, intensos e criadores, trazendo a volúpia de atuar explodindo nos olhos e no corpo, e agregando sensibilidade e talento em um processo de criação-explosão conjunta, e temos a receita perfeita para um filme maravilhoso.
É lógico que um filme é feito em camadas e a gente só vai saber o filme que realmente fez quando ele estiver totalmente finalizado, o que ainda vai demorar uns seis meses, mas naqueles momentos de construção das cenas, quando finalmente conseguimos colocar no mesmo lugar, atores, câmera, locação, cenografia, luz e equipe, e fazer isso tudo respirar junto, em uma espécie de transe compartilhado, já tínhamos uma sensação de que estávamos fazendo cinema. Muito cinema.
E era nesses momentos em que víamos a magia acontecer, quando um gesto, um olhar, um suspiro substituia todo um texto que o ator diria, ou um frase criada pelo ator no ímpeto da cena, eliminava a necessidade de uma cena inteira que se seguiria. Ou, por outro lado, quando a energia das cenas, como em uma orgia criativa, propiciava a criação de outras novas.
Quem não conhece cinema a fundo normalmente acha estranho a gente não conseguir definir exatamente o filme que fez, mas se em um processo normal, quando se filma com dinheiro e tempo, já é quase impossível se antecipar um sucesso, imagina no nosso caso, em que a gente filmava não só com a câmera, mas com o relógio, onde a edição do filme era feita na cabeça, durante as filmagens, e a gente filmava basicamente só o que iria realmente usar, sem folga.
E isso sem fazer concessões à qualidade, sem alterar ou excluir locações, sem reduzir personagens e sem excluir cenas por dificuldades de produção, pelo contrário, até incluímos cenas que sentimos que iriam agregar ao filme.
Como já tô até ouvindo os falastrões berrarem, (pois eles sempre berram), principalmente se esse filme for um sucesso, "que não é necessário dinheiro para se fazer cinema, que o que importa é o talento e blá, blá, blá", é importante dizer e repetir, e enfatizar, e gritar, e propagar aos quatro ventos que filmes como esses são construções de pessoas apaixonadas, que acreditam na arte como elementos mutantis mutatis do mundo e querem viver da arte como profissão, e que isso não é e nem pode ser uma regra, mas uma linda exceção para um objetivo mais bonito ainda.
Para que possamos seguir assim, dignamente, enchendo cada vez mais de dúvidas, perguntas, música e cor esse mundo de mentes acinzentadas, cérebros amedrontados e horizontes nublados.