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Atrás dos Olhos – Aventuras de uma produção – 2

Atualizado: 13 de mai. de 2020


Cena do filme Poesia Sem Fim de Alejandro Jodorowsky

Acabo de ler pelas ondas internéticas que Alejandro Jodorowsky*, o mago do cinema surrealista, do alto de seus 86 anos, cansado do canibalismo da indústria cultural está captando recursos para a produção de seu próximo filme através de Crowdfunding, além de estar colocando uma grana do próprio bolso na produção. Seu objetivo é fazer o filme com cerca de 10% do valor necessário.

Para quem não sabe, Crowdfunding é uma forma de financiamento coletivo de projetos, criado para salvar pessoas que não dão mais conta da loucura de anos a fio passando com o pires pelas mesas pomposas de patrocinadores, com seus longos charutos e sorrisos sarcásticos, e que também querem escapar das comissões de análise de projetos culturais que definem, do alto de seus tamancos e seus discursos, se nosso trabalho é genial ou não.

Jodorowsky chega em boa hora aqui neste nosso espaço de revelações (e lamentações), não só porque seus trabalhos são um desafio estético e filosófico, mas também porque, como ele, precisamos mergulhar de cabeça nesse debate, nesse país onde a gestão da produção cultural quase sempre está nas mãos de burocratas e pessoas que, na sua maioria, desconhecem, ignoram, desprezam ou odeiam arte, e onde as dificuldades de se produzir cultura têm atingido proporções épicas, dignas de tragédias gregas ou nordestinas, se Homero ou Guimarães.

Há exatamente quatro anos, em uma das já clássicas festas da Carabina Filmes, impulsionados por eflúvios etílicos altamente inspiradores, entre debates acalorados sobre uma necessária revolução dos sentimentos nesse mundo careta e retrógrado, decidimos (Leo Quintão, Neise Neves, Suzana Markus e eu) transformar em filme um espetáculo da Cia Pierrot Lunar, “Atrás dos Olhos das Meninas Sérias”.

De lá para cá, apesar de nossos exaustivos esforços para captar recursos adicionais, depois de mais de vinte editais e incansáveis noites viradas, caprichando na retórica de projetos e tentando entender para explicar a loucura, conseguimos captar apenas recursos para cobrir aproximadamente uns 10% do valor que seria necessário para a produção do filme (Um percentual dentro da média se colocarmos na mesa Jodorowsky e nós).

Não se sabe se pela temática relativamente polêmica do texto, onde sexualidade, violência e loucura se misturam em doses nada homeopáticas, ou por outras razões além do controle de meros mortais, na época o espetáculo teatral foi todo montado sem patrocinadores oficiais e o filme parece estar sendo conduzido para um destino muito parecido.

E daí vem o grande dilema: produzimos o filme com os recursos que temos, reduzindo cachês, correndo atrás de apoios e contando com um monte de trabalho voluntário de pessoas queridas do coração, ou devolvemos o dinheiro que captamos, em um protesto digno, em prol de uma categoria que passa grande parte de seus dias tentando provar para seus vizinhos que sua arte é trabalho e que seu trabalho é arte?

Se nós produzimos o filme e ele faz sucesso, nós corremos o risco de estar dando corda para o barrigudo da gravata que, coçando sua hérnia, resmunga “Se alguém conseguiu fazer um filme tão maravilhoso (está nos planos) com tão pouco dinheiro, por que então os outros cineastas também não produzem com a mesma quantidade de dinheiro?” Por outro lado, se o filme for um fracasso (está fora dos planos), estaremos consumindo tempo e dinheiro de uma galera que acreditou no projeto e depositou suas energias nele.

Jodorowsky em sua ótima entrevista (link abaixo) fala que “A indústria da arte está matando o espírito humano” e que é por isso que ele está fazendo esse filme assim, porque nós, seres (ainda) humanos não somos assim, porque nós somos muito mais. E explica que vai fazer esse filme porque ele acredita que ele precisa ser feito e porque muita gente, que acredita nele também, acha.

E é exatamente aí que está a resposta para toda dúvida que possa existir. Porque se a gente não fizer, a gente nunca vai saber. E como ainda não conseguiram inventar um software que escreva roteiros de sucesso garantido ou que dirija filmes sozinho (embora os americanos acreditem piamente que isso seja possível), a gente tem que acreditar na nossa capacidade de emocionar e tocar as pessoas.

E, principalmente, a gente tem que acreditar na nossa capacidade de aglutinar talentos em torno de um projeto que a gente acredita. Porque só assim poderemos um dia construir algo que seja próximo de uma indústria cinematográfica (que Jodorowsky me perdoe) nessa Minas Gerais cheia de ranço, timidez e complexo de inferioridade, que está se especializando em exportar talentos, ao invés de seduzi-los, alimentá-los e convertê-los em usinas de arte.

* Chileno de origem judaica, Jodorowsky é autor de filmes como A Montanha Mágica, Santa Sangre e, mais recentemente, “A Dança da Realidade” e revolucionou a linguagem cinematográfica ao misturar a loucura do surrealismo com uma visão profundamente crítica das sociedades modernas. (Para ver a entrevista clique aqui)

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